segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Capítulo I - A Manhã das Trevas

O trovão ecoou por todos os aposentos da mansão. Há já muito tempo que a propriedade dos Alves Antunes não acordava com tamanha tempestade. O vento e a chuva faziam as janelas tremer nos seus caixilhos de uma forma bruta e intensa. Nos estábulos, os cavalos relinchavam horrivelmente, demonstrando o seu pavor. À entrada da mansão, o chão havia sido coberto pelos cacos dos encantadores dálmatas de loiça que Madame Antunes havia comprado numa loja de decoração em Paços de Ferreira. Parecia o inferno.
Rosélia acordou sobressaltada com um relâmpago que não devia ter caído muito longe da sua janela. De imediato, salta da sua cama e coloca-se de joelhos em frente ao crucifixo em ouro de 24 quilates que sua tia, a Soror do Convento de Campo Maior, lhe havia trazido do Vaticano e que tinha sido benzida pelo Papa. Fez oito orações a Santa Bárbara, quatro à Nossa Senhora de Fátima e, por força do hábito, rezou duas Avé Marias e um Pai Nosso. Levantou-se, ainda assustada, e foi-se ver ao espelho. Como se encontrava bonita. Seus cabelos loiros caíam em cachos sobre os seus ombros desnudados. Na sua face, de tez perfeita e marmórea, encontravam-se os mais lindos olhos, de um verde profundo, que todo o Portugal havia visto. Mas o seu corpo, esse, era a mais bela jóia do tesouro que era Rosélia. De uma perfeição tal, que apenas poderia ser comparada ao corpo de uma estátua de Bernini e mesmo essa sairia a perder. Todo ele era uma formosura. As suas pernas eram elegantes e bem torneadas, devido à equitação que praticava; a sua cintura era de uma finura espantosa e por entre a camisa de noite da Hello Kitty, adivinhavam-se as curvas provocadoras de uma bela jovem de dezoito anos, que culminavam nos mais maravilhosos seios deste mundo, seios esses que muitas das colegas de Rosélia, verdes de inveja, juravam a pés juntos que eram de silicone e tinham sido feitos numa clínica em Badajoz. Em suma, Rosélia de Castro Laurinda dos Alves Antunes era uma Vénus.
Após namorar o espelho por uns bons vinte minutos, Rosélia dirigiu-se ao seu quarto de banho, afim de se deleitar num prolongado banho de imersão. Sentia-se suja. Durante a noite, tivera mais um dos seus sonhos pecaminosos que ultimamente lhe pareciam atormentar o sono. Sentia-se envergonhada só de pensar neles e nunca por nunca os contaria a ninguém. “O que me deu para sonhar com estas… coisas?”, perguntava-se ela amedrontada consigo própria. De súbito, desfez-se em lágrimas. Imaginou por momentos a reacção de seus pais se estes porventura descobrissem que a sua filha, que havia sido educada no mais puro dos ambientes católicos e que frequentava o Colégio das Salesianas de Santa Maria Descalça, de noite sonhava que era possuída por camionistas e que, pior, após o coito comia tremoços e bebia cerveja. Sua mãe iria parar a um hospital em coma profundo e seu pai daria um tiro na cabeça. Como é que uma menina, que na sua Primeira Comunhão havia se posto aos pés do Senhor e lhe havia jurado que manteria a sua pureza até ao dia do seu casamento, tinha aqueles sonhos repletos de luxúria e de, por mais que lhe custasse admitir, prazer? Fixou-se então nesta última sensação que lhe aflorou no pensamento. Prazer. Como é que ela sabia o que era o prazer da carne se nunca, pelo menos acordada, o tinha experimentado? Já tinha ouvido histórias de colegas que tinham quebrado os seus votos e se tinham entregue aos namorados. Estas contavam como tinham sentido um prazer inexplicável. “Ouça Rosélia, você não ‘tá bem a ver! É que eu senti um calor pelas pernas acima que… Jesus! Parecia que tinha chegado ao Céu mas que ao mesmo ‘tava a arder no fundo dos infernos! Deus tende piedade de mim!”, descreviam elas entre o envergonhado e o orgulhoso. “Foram possuídas por Lúcifer, coitadas…” pensava Rosélia delas sem nunca imaginar que neste momento se sentiria assim. Tentou afastar estes pensamentos e mergulhou o seu corpo na água quente e perfumada. Lá fora, a tempestade continuava e parecia não dar sinais de que fosse parar. Não conteve um sorriso triste ao aperceber-se que o estado meteorológico reflectia o seu estado de espírito.
Já lavada mas ainda um pouco tensa, Rosélia pega na sua toalha e começa a esfregar-se com brusquidão na esperança de livrar-se do pecado em que estava possuída. È então que algo de terrível acontece: ao limpar as suas partes pudicas dá um esticão com a toalha tão forte, que vê-se invadida por uma intensa onda de calor, seguida de uma tontura que faz com que perca as suas forças e caia de joelhos nos azulejos cor-de-rosa bebé, comprados na Moviflor por Madame Antunes. Já no chão, solta um gemido tão alto que chega a sobrepor o som dos trovões que ribombam no exterior. Acabara de ter um orgasmo.

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